quinta-feira, 26 de setembro de 2019

A cidade sorriu conosco... Seguimos festejando!

A cada ano o Festal tem adotado um formato diferente, buscado compor uma programação que promova certa dinamicidade de público, artistas e instituições. Nesta edição de 2019 resolvemos investir numa estrutura caleidoscópica, atuando em 5 comunidades distintas, porém interligadas pela condição de ambientes periféricos. Contudo, nossa abordagem foi a de compreender que tais comunidades também são o centro de quem vive por ali. A despeito de quaisquer carências e fragilidades sociais e econômicas existentes nessas comunidades, todas elas são produtoras de cultura, possuem vida própria e concentram muita força criativa.

Turma do Coletivo Afro Dendê, equipe de produção e a criançada da Cidade Sorriso no sarau de abertura do Festal 2019. Foto: Xanda Souza.

Foi com base nessa percepção que o Festal desse ano teve início no último dia 21/09, na Cidade Sorriso, condomínio residencial do Benedito Bentes II. E quem esteve por lá pôde comprovar nossas suspeitas. Além da oficina de malabares ministrada pelo Henrique de Souza, contamos com um sarau recheado de dança, maracatu, contação de histórias, teatro, performance, hip hop, coco de roda e capoeira. Sem falar que ainda tivemos espetáculos acessíveis para pessoas surdas e cegas.

Nos despedimos da Cidade Sorriso, com o perdão do trocadilho, sorrindo à tôa. Felizes por começarmos tão bem e instigados com o que ainda está por vir. Nosso muito obrigado a todas e todas que possibilitaram esse encontro, especialmente o pessoal do Coletivo Afro Dendê que nos abriu suas portas para nossa programação. Gratidão sempre!!!



E como estamos ainda no começo. Quem não teve oportunidade de chegar junto até o momento, nesse próximo fim de semana já tem uma nova chance de participar dessa festa. Dessa vez, na comunidade da Garça Torta.

Desde o último dia 24/09, o ator e contador de histórias Toni Edson está conduzindo uma oficina de contação, concluindo esse momento no domingo dia 29. E nos dia 27 e 28, desenvolve-se um outro ciclo de oficinas. Desenho experimental, filtro dos sonhos, aquarela em borra de café e consciência ambiental são os temas dessas ações. Quem tiver interesse em participar, acesse nosso perfil no Instagram (@festal2019), para saber mais detalhes e se inscreva.

Ainda nesse fim de semana, no dia 29/09, será a vez do sarau da Garça. Uma tarde inteira de atrações composta por contações de histórias, música, capoeira e teatro. A programação desse dia inicia às 14h e adentra a noite, animando o Largo São Pedro. Venha festejar conosco!!!

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Escolha seu palco que o Festal está chegando!




Segura a ansiedade que está quase na hora! Neste sábado, dia 21 de setembro, tem início a 5º edição do Festival de Artes Cênicas de Alagoas, na Cidade Sorriso, localizada no Benedito Bentes 2. O Festal celebra a produção e os artistas caetés, da capital e do interior, com uma programação gratuita recheada de teatro, dança, circo, performance e contação de histórias. A grande diferença neste ano, com relação às edições anteriores, é o foco na população mais carente de Maceió: ao longo de cinco semanas, cinco comunidades diferentes receberão a programação, com espetáculos e oficinas e ainda uma vasta programação paralela de apresentações, saraus e atrações musicais. Para aquecer e dar partida à contagem regressiva, listamos cinco bons motivos para não perder, de jeito nenhum, estas duas semanas da maior celebração das artes cênicas alagoanas.

In Progress, do Coletivo Mambembe sobe ao palco no dia 21. Foto: Gabi Coelho

1. APOIO AOS ARTISTAS E À PRODUÇÃO LOCAL
O edital do 5º Festal contemplou, este ano, 10 espetáculos que fazem parte da programação oficial. Ou seja: nossos artistas produzem bastante – e produzem bem! E a oportunidade é perfeita para conferir nossa arte e cultura, sem pagar nada, nas ruas e equipamentos públicos das comunidades espalhadas pela Grande Maceió. Em setembro, e já na estreia, no dia 21, teremos contação de histórias e teatro na Avenida Sorriso, no Benedito Bentes: Histórias do Lar... de Lá, de Toni Edson, às 16h40, e In Progress, do Coletivo Mambembe, às 19h20. Na semana seguinte, no dia 27/9, teremos o espetáculo de dança Singularidade, do Resgate Crew, às 16h, e o teatro do Grupo Heteaçã, com Os Filhos do Céu e os Corações de Tambor, às 15h do dia 29/9 – ambos no Largo do São Pedro, na Garça Torta.

Henrique Nagope vai ministrar oficina de malabares na Cidade Sorriso. Foto: Pâmela Guimarães

2. CONHECER (MELHOR) NOSSA CIDADE
As duas primeiras comunidades a receber o Festal, em setembro, são a Cidade Sorriso, no Benedito Bentes 2, e Garça Torta. Não há maceioense que não tenha ouvido falar de nosso maior bairro e de um de nossos balneários mais exuberantes. Mas quantos, de fato, já andaram pelas ruas do Biu ou da Garça e tiveram contato com sua gente e suas realidades, que podem ser bem distintas do que sabemos e entendemos ser Maceió? Prestigiar nosso palco aberto é também conhecer e aprender a respeitar nossa população, e, pensando nisso, o Festal oferece oficinas lúdicas aos moradores de cada localidade-sede (são 5 no total). A Cidade Sorriso terá Malabares com Bolinhas – Confecção e Técnicas Básicas de Jogo, ministrada por Henrique de Souza, nos dias 21, 22, 28 e 29/9, na sede do Coletivo Afro Dendê; já Garça Torta terá Lendas Curtas para Contar e Cantar, de Toni Edson, de 24 a 27/9, no Bar do Titio.

Myrna Maracajá participará do 5º Festal como voluntária. Foto: Acervo da artista

3. PROGRAMAÇÃO EXTRAOFICIAL
O Festal sempre foi um espaço de crescimento e intercâmbio entre os artistas e grupos alagoanos. Embora o edital tenha selecionado um número reduzido de espetáculos e oficinas, que representam apenas uma parcela da grandeza e da força do que é produzido em Alagoas, várias outras ações também estarão presentes no festival, como convidados e/ou voluntários. A Garça Torta, por exemplo, receberá uma série de oficinas, abertas ao público e com vagas limitadas, nos dias 27 e 28/9. Tem Myrna Maracajá (Desenho Experimental), dia 27, na Garça 165; Synara da Silva (Aquarela com Borra de Café) e Nessa Germano (Filtro dos Sonhos), ambas no dia 28, na Associação Comunitária; e Melina Vasconcelos (Lixo na Garça: Consequências, Desafios e Soluções), no dia 28, na Garça 165.

Show da Banda Artehfato durante o Festal 2018. Foto: Xanda Souza

4. MÚSICA E CULTURA
Além das artes cênicas e oficinas da programação oficial e extraoficial, o Festal também é palco para grupos culturais, folclóricos e bandas musicais nos saraus. O de sábado, 21, na Cidade Sorriso, marca a abertura oficial do festival, na Avenida Sorriso I, no Benedito Bentes, com apresentações do Grupo Senzala Capoeira (16h10), Companhia Hip Hop (17h40), Coco de Roda Barreiros das Alagoas (18h), Coletivo Afro OGBON (18h30), Coletivo Afro Caeté (20h30) e encerramento com a Banda Afro Dendê (21h10). Na Garça Torta, no Largo do São Pedro, no dia 28, o sarau fecha a programação da semana na comunidade com o Grupo de Capoeira Angola Palmares (16h), Grupo Borda Azul + Grupo Percussivo Batidas da Vida (17h) e show da Banda Um Quarto Pensante (18h30). Vale conferir a festança de perto e ficar até o fim!

Comissão organizadora no encerramento do Festal 2018. Foto: Xanda Souza

5. SOCIALIZAR E TROCAR IDEIAS
Como em todo bom festival, o fator humano é superimportante. Desde o pessoal que vive e pensa as artes cênicas, até os aspirantes a atores, diretores, dramaturgos, dançarinos e músicos, passando, é claro, pelos próprios moradores das comunidades, o Festal conta com o desejo de não apenas dar espaço à produção alagoana, mas também de pavimentar o caminho para que novas ideias circulem, que o pensamento comum seja compartilhado e que o interesse nas artes cênicas cresça e floresça. Quem sabe em 2019 não seja plantada a semente para o espetáculo que fará parte da programação em 2020? Ou que surja, nas ruas da Cidade Sorriso ou da Garça Torta, aquele artista que fará a grande diferença num futuro próximo? Pode até dar namoro, casamento e filhos... tudo é possível!

Diante de todos esses motivos, é hora de preparar o corpo e a alma para nosso 5º Festal. Só lembrando que nestas duas últimas semanas de setembro o festival estará na Cidade Sorriso (Benedito Bentes 2), com a abertura oficial no dia 21 e a oficina de Malabares com Bolinhas rolando de 21 a 29/9; e na Garça Torta, de 24 a 29/9, no Largo do São Pedro. E em outubro ainda tem mais! Confira a programação completa aqui no blog, acompanhe as novidades no nosso Instagram (@festal2019) e salve as datas todas no calendário. Nos vemos Lá!

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Espaços de troca

O Festal é um festival de artes cênicas, mas que busca não se limitar a um evento de apresentações simplesmente. Trata-se de um espaço onde novos laços entre artistas e comunidade são estabelecidos, onde a reflexão sobre o fazer artístico se faz sempre presente. A cada ano, elaboramos momentos de trocas de naturezas variadas, como oficinas, mesas redondas e grupos de trabalho.

Nessa edição 2019, cada comunidade que nos acolherá contará com uma oficina artística. Essas oficinas serão voltadas ao público de jovens e crianças dessas comunidades e servirão de ponto de encontro para criação conjunta e apontar a arte como uma experiência necessária em qualquer sociedade saudável.

Serão cinco oficinas de 15h cada, todas ministras por profissionais locais. Pessoas experientes e sensíveis, disponíveis para trocar seus conhecimentos e gerar potentes experiências criativas.

Na Cidade Sorriso, o ator, palhaço e pesquisador da linguagem circense Henrique de Souza ministrará uma oficina de malabares com bolinhas. Os alunos aprenderão a confeccionar seus próprios malabares e a manipulá-los. Execução e técnica estarão juntas para construir um momento de aprendizado e ludicidade. A oficina do Henrique acontecerá nos dias 21, 22, 28 e 29/09 sempre das 09h às 13h, na Sede do Coletivo Afro Dendê.
Henrique de Souza. Foto: Amanda Saory.

Já na Garça Torta, no período de 24 a 27/09, a contação de histórias guiará o encontro com os jovens desta comunidade. À frente dessa oficina teremos o ator, diretor e professor de teatro Toni Edson. Um experiente contador de histórias que vem colecionando uma série de trocas com vários grupos e artistas locais. Nessa oficina, o foco será dado às lendas, canções e ao próprio teatro. A oficina ocorrerá no Bar do Titio, das 09h às 12h.

Entrando em outubro, teremos na comunidade do Vergel do Lago a oficina "Me ajuda a olhar", voltada para o registro de espetáculos cênicos, e será conduzida pelo ator, diretor e professor Jadir Pereira. Com sua sensibilidade aguçada, Jadir conduzirá os encontros no sentido de sensibilizar o olhar dos jovens para o fazer artístico. Essa oficina ocorrerá entre os dias 01 e 05/10, das 14h às 17h, no Instituto Servir.

Toni Edson. Foto: Jany Santos.

No Bom Parto será a vez do breaking dance mobilizar a juventude. Jessé Batista, b-boy e intérprete criador, conduzirá os encontros mostrando técnicas e um pouco da história desse pedacinho da cultura hip hop. Saltos, giros, cambalhotas vão sacudir os corpos da turma e mostrar a força poética do corpo em movimento. As aulas serão realizadas no período de 10 a 13 de outubro, das 08h às 12h, no Quintal Cultural.

E, por fim, na última semana do Festal, a comunidade do Centro receberá a oficina "Tessituras da Cena", com o Coletivo Filé de Críticas. Entre 16 e 19 de outubro, os participantes construirão um espaço para pensar e exercitar o processo de produção de crítica de espetáculos cênicos. Essa oficina acontecerá na Escola Técnica de Artes da UFAL (em frente à Praça Sinimbu), das 19h às 22h, sendo das 14h às 17h no dia 19/10.

Esse é o Festal, gerando condições para o cenário cultural se desenvolver e possibilitando momentos de troca e produção de conhecimento em diferentes campos da arte. A nossa programação de setembro já está disponível em nossas redes sociais. Confira e apareça!! Já iniciamos nossa contagem regressiva!

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Falar, gritar, resistir e lutar

Geni – Não Recomendada, da Cia. Os Vers'artes. Foto: Washington da Anunciação

Geni – Não Recomendada pode ser descrito como um trabalho em constante transformação. O espetáculo performático da Cia. Os Vers'artes, que será exibido durante o 5º Festival de Artes Cênicas de Alagoas – Festal, no dia 19 de outubro, surgiu da vontade de David André e Saulo Porfírio em criar cenas inspiradas nas canções Geni e o Zepelim, de Chico Buarque, e Não Recomendado, de Caio Prado. No curto espaço de tempo entre a primeira apresentação, durante a calourada do curso de Licenciatura em Teatro em 2018, ao “grande nascimento” do espetáculo, em agosto de 2019, muita coisa mudou em Geni, exceto a voz em forma de grito que dá às minorias, desconstruindo, no caminho, temas considerados tabus pela sociedade.

Em um bate papo com o autor e diretor David André sobre Geni, vieram à tona lembranças de uma arte ainda embrionária, mas desde sempre engajada, que foi ganhando novas camadas, colheu elogios, enfrentou dúvidas e críticas, colocou a nudez em cena como um grande ato libertador e que, em 2019, chega ao público como persistência e resistência em forma de arte. Acompanhe conosco essa trajetória!

CORPO CÊNICO
David André e Saulo Porfírio faziam parte de um projeto de extensão da Universidade Federal de Alagoas, chamado Corpo Cênico. Foi nesse contexto que uma ideia comum entre os dois, porém com bases distintas, deu início ao que viria a se tornar Geni – Não Recomendada. Para David, a inspiração vinha de Geni e o Zepelim, de Chico Buarque; para Saulo, de Não Recomendado, de Caio Prado. “Por que não? Vamos juntar essas duas e ver o que sai”, relembra David.

“Eu acho que essas duas músicas são muito semelhantes, têm um cunho político muito forte, então a gente montou cinco cenas para apresentar na Calourada 2018.1 do curso de Teatro – Licenciatura, da Ufal. Essa primeira apresentação traz apenas dois atores, um representa o físico e o outro representa o interior, e a gente trata sobre a questão do nascimento até a fase adulta. Esse personagem, ainda sem nome, luta contra a sua própria sexualidade. No meio de toda essa confusão, desse caos e resistência contra ele mesmo, ele acaba se tornando agressivo, machista, preconceituoso”.

CHOQUE DE REALIDADE
A repercussão do público a essa primeira versão foi bastante positiva, mas a realidade fora dos palcos acabou por colocar toda a euforia do momento em perspectiva. Na mesma tarde em que David e Saulo davam vida ao espetáculo, um jovem de apenas 19 anos perdia a sua. David cita o episódio como um momento de hesitação, mas que ao mesmo tempo gerou um impulso maior para tudo aquilo que Geni – Não Recomendada representava.

“À noite recebemos uma notícia triste de um rapaz chamado David, de 19 anos. Naquela mesma tarde, enquanto, em cena, eu gritava “joga pedra na Geni” e o Saulo gritava “não joga pedra na Geni”, esse menino era morto a pedradas, no Salvador Lyra, por ser homossexual. Isso me deu um medo muito grande de continuar com o espetáculo, nos palcos, nas ruas, em qualquer lugar, correndo o risco de que aconteça o mesmo com a gente. Então o Saulo falou ‘eu creio que nós temos que continuar, essa é nossa arma, para falar para quem tiver por perto sobre essas questões sociais mal resolvidas’”.

Apresentação de Geni durante o 4º Festal, em 2018. Foto: Jany Santos

EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS
Após a apresentação na calourada, Geni – Não Recomendada foi convidada a participar como ação voluntária no 4º Festal, também em 2018. Mas, antes disso, já estava em discussão a ideia de expandir o espetáculo. Para isso, mais atores e atrizes entraram em cena, e o texto já não tratava apenas da homossexualidade, mas também discutia temas como a violência contra a mulher, a não-aceitação do corpo, a intolerância religiosa e o racismo.

“O texto partiu das experiências dentro do elenco. Compartilhávamos o cotidiano de cada um e começamos a fazer sketches para desenvolver as cenas. Às vezes era difícil terminar os sketches, pois entrávamos num estágio de choro, de se perguntar ‘que absurdo vivenciar isso. Tão perto e a gente, muitas vezes, não saber o que fazer’. O texto é meu, mas a adaptação é coletiva. A direção também foi minha, e o Saulo ajudou na direção de elenco”.

A apresentação a céu aberto, na Praça Sinimbu, teve, novamente, boa repercussão, mas também gerou as primeiras críticas. “Na época nós usávamos músicas de artistas famosos, como Johnny Hooker (Flutua), A Banda Mais Bonita da Cidade (Uma Atriz), além de Geni e Não Recomendado. A crítica apontou que o espetáculo ficava muito redundante, a gente fazia e as músicas diziam o que estávamos fazendo. Ou a música começava e a gente fazia o que a música estava dizendo. Então tratamos de deixar o espetáculo mais original. Tiramos as músicas, fizemos músicas autorais”, explica David.

GENIS ATUAIS
A questão envolvendo as músicas não autorais acompanhou o sentimento de David de que a obra precisava ser mais lapidada. Após o 4º Festal, Geni entrou num hiato, ao mesmo tempo em que Saulo Porfírio precisou de afastar para cuidar do próprio TCC.

“Eu comecei a fazer mais pesquisas: quem era Geni? Quem é Geni hoje na sociedade? Na música do Chico, ela é uma travesti que é malvista, julgada e apedrejada pela sociedade, e ela só passa a ser bem vista a partir do momento em que a sociedade precisa dela. Então comecei a pensar: quem são as Genis de hoje? E percebi que ela é não apenas a travesti, mas também a mulher, o negro, a negra, a pessoa que não é padrão, o pobre. Geni, em geral, são as minorias. Fiquei com essa inquietação: então preciso falar de mais coisas, preciso lapidar mais o espetáculo, preciso falar sobre as minorias e também sobre a diversidade”.

Após o período de pausa, Geni – Não Recomendada estreou, em 30 de agosto de 2019, no Arte Pajuçara, contemplada pelo edital Pauta Aberta da Prefeitura de Maceió. Para David, a data marca o “grande nascimento” do espetáculo. O que, inicialmente, eram cinco cenas, agora já somavam oito. Elementos foram acrescentados, outros eliminados. A obra ficou mais densa e chegava com uma classificação indicativa de 18 anos.

O "batismo" em cena. Foto: Washington da Anunciação

BICHO DE SETE CABEÇAS
A classificação 18+ refletia o impacto provocado por Geni – Não Recomendada. Não apenas pela força de seu conteúdo, mas também por incluir a nudez em cena. Sobre esse aspecto, David revela a preocupação em não permitir que o interesse do público ficasse restrito apenas ao corpo nu, quando este deveria ser tratado com mais naturalidade.

“Na segunda cena do espetáculo, uma das atrizes tira toda a roupa. É a cena do batismo, ela tira essa roupa como quem tira um fardo, um peso. É uma cena um pouco macabra, mas a gente quis colocar o nu para gerar esse incômodo e para dizer que o corpo é apenas um corpo, que não há nada demais ali, que não é um bicho de sete cabeças. Uma vez ouvi alguém dizer ‘ah, mas você precisa ter um propósito para usar o nu em cena’. Mas qual propósito seria esse? Do tipo, se eu precisar trocar de roupa em cena, eu posso ficar nu? Se precisar tomar um banho em cena, eu posso ficar nu? Esse tipo de pergunta surge porque o nu ainda é um tabu. E o nu é uma coisa muito natural”.

Com o tema em debate durante reuniões de elenco, o grupo acabou optando por divulgar o espetáculo sem “revelar o nu”. Questionamentos acerca da classificação indicativa eram direcionados apenas às questões de violência presentes na peça. No final das contas, a estratégia acabou surtindo efeito, como conta David: “O nu acabou sendo uma surpresa. Recebi um feedback muito positivo. ‘Ah, eu tenho problemas com o nu, em cena ou em qualquer lugar, e desta vez foi tão sutil, tão suave que não me incomodou ver uma pessoa nua no palco’. Era exatamente isso: mostrar ao público ou a qualquer outra pessoa que não há problema no corpo do outro. O nu ainda inda é muito erotizado. E não precisa ser sempre assim”.

David André durante a apresentação no Arte Pajuçara. Foto: Washington da Anunciação

EXPECTATIVAS PARA O 5º FESTAL
Um grande ciclo está prestes a se completar para Os Vers'artes e para Geni – Não Recomendada. No dia 19 de outubro, o espetáculo, que começou com apenas dois atores numa calourada, retorna à Praça Sinimbu como parte da programação oficial do 5º Festal no Centro de Maceió. A apresentação acontecerá às 17h, na Sala 11 – Camerata, no mesmo Espaço Cultural que também receberá trabalhos de estudantes de Artes (Licenciatura e Escola Técnica) da Ufal. Para David, o estado de espírito não poderia ser outro que não o de alegria, mas sem nunca esquecer da responsabilidade. 

“Voltamos ao Festal, bastante felizes por tudo isso! Falamos sobre diversidade, sobre minorias, e pedimos respeito! Tratamos dessas questões mal resolvidas como única voz que temos para gritar ‘Não joga pedra na Geni’. Nossa voz é a arte, temos essa arma e estamos usando para poder falar, gritar, resistir e lutar”.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Solo, pero no mucho


Cena do espetáculo "Sentido Contrário", de Avaristo Martins. Foto: Anobelino Martins

Fazer só, pensar só, viver só. Quanto há de autoridade na solidão? É evidente que o nome do autor ou autora de uma obra inspira os créditos da assinatura da obra, mas uma obra jamais é sozinha, pois o que seria do arquiteto sem os pedreiros? Os grandes mestres renascentistas que não tocavam em suas estátuas? Dos diretores de cinema, coitados, sem toda uma equipe de outros artistas e técnicos? Escritores sem os outros escritores? O que seria de nós sem os outros? A ideia que o romantismo tirou de suas revoluções políticas e do liberalismo emergente no século XVII até hoje ressoam o seu delírio das estrelas.

Aqueles e aquelas que se reclusam ao minucioso exame de seus conhecimentos, técnicas e sentimentos têm uma marca misteriosa, similar à aura mágica das pinturas pré-industriais, que lhes afasta do convívio e lhes impõe certos pedestais criados por nossos gêneros sociais, entretanto esses ermitões de herméticas personalidades retornam com suas obras ao meio social e arrastam caravanas caras a Hollywood e às perenes formas de culto a personalidade da nossa sociedade. Entretanto, a solidão criativa, o solo não deixa de ser uma tarefa árdua.

Enfrentar a árdua tarefa de fazer arte só ou de encarar só estar no palco por exemplo, muitas vezes representa mais uma busca ideal ou a necessidade de se fazer arte do que ouvir a cantilenas marinhas. Muitas vezes representa a trajetória heroica, portanto um tanto louvável também, de se encarar as dificuldades e os medos próprios e lançar o discurso de sua época através da própria carne. Dar cor e traço às formas que se capta do mundo a partir de seus olhos sozinhos é impossível, porém decidir só é para aqueles que tem coragem.
Cena do espetáculo "Sentido Contrário", de Avaristo Martins. Foto: Anobelino Martins

No Festal deste ano um destes bravos artistas, Avaristo Martins, apresentará sua obra “Sentido Contrário” no dia 19 de Outubro na Sala Preta da Escola Técnica de Artes. Avaristo escreveu o texto “Sentido Contrário” em 2014, quando ainda era aluno na ETA. Segundo ele “Não é uma história sobre a minha vida, mas como é algo que vivemos no nosso dia a dia, temos essa identificação com o texto. A história de Sentido Contrário, vivida pelo personagem Fábio fala de sentimentos de afeto e da importância de vivermos ao lado de pessoas que nos tornam melhores”.

Já no que Avaristo diz a respeito de seu próprio texto ele busca demonstra o valor da união e assim arremata com sua fala sobre o Festival de Artes Cênicas de Alagoa “Participar do Festal está sendo uma experiência muito especial, voltar com o espetáculo em Maceió depois de dois anos da estreia que foi em 2017, na 13ª edição do Quinta no Arena, é um sentimento muito bom. O festival é uma ótima oportunidade de conhecer grupos que atuam no nosso estado e ter esses grupos nas comunidades”.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

É de fazer sorrir!!

Se há um gênero cênico dotado de potente eficácia na produção descontraída de críticas contundentes às mazelas da sociedade, este é a comédia. Um gênero que não envelhece e não para de revelar sua importância em tempos como os nossos. A versatilidade da comédia lhe permite aparecer onde for possível à criatividade humana: dança, teatro, circo, música, artes visuais, cinema, literatura... A graça é hóspede bem-vindo nos mais variados contextos artísticos, seja pela caricatura, ironia, cinismo, ludicidade e muito mais. E claro que no Festal ela também não poderia deixar de aparecer.

Nessa edição 2019, portanto, além de se fazer presente em diversas atrações dos saraus que serão realizados em cada comunidade, dois espetáculos selecionados em particular flertam diretamente com a comédia e contribuem para a diversidade na nossa programação.

Já nesse próximo dia 21/09, a Cia Mambembe apresentará às 19h30, na Cidade Sorriso, seu espetáculo In Progress. Segundo, Vitor Satti, um dos atores e criadores deste trabalho, foi o universo do circo que uniu os integrantes da cia e despertou neles o interesse em dar mais visibilidade a esta arte cênica que talvez seja hoje a mais marginalizada de todas. Nesse sentido, In Progress é uma celebração ao "circo de lona, o circo itinerante que chegava nos bairros e alegrava com palhaçaria, música e dança".

Cena do espetáculo circense "In Progress", da Cia Mambembe. Foto: Gabi Coelho.

Para Satti, o circo tem o poder de alcançar os corações de crianças e adultos. E exalta o orgulho de ser chamado de palhaço, subvertendo o sentido pejorativo para iluminar o poder transformador desse clássico personagem circense frente as barbaridades que vivemos atualmente.

E no dia 05/10, às 16h, no Vergel do Lago, será a vez do Instituto de Preparação para Cena (IPC), apresentar A Farsa do Advogado Pathelin. Trata-se de um texto de origem medieval e que atravessa os tempos por carregar na sua dramaturgia assuntos ainda bem pertinentes em nosso dias, a exemplo do uso corrompido das leis para favorecer a classe nobre em detrimento da população mais pobre.

Cena do espetáculo "A farsa do Advogado Pathelin", do IPC. Foto: o grupo.

O diretor e ator Cleyton Alves revela como um dos objetivos dessa montagem o interesse em despertar "o senso crítico do público" e chama a atenção para a capacidade da comédia de "educar e conscientizar de maneira leve, porém incisiva". Vale destacar que o interesse por esse texto, sem autor conhecido, persegue Cleyton desde a infância quando teve a oportunidade de prestigiar uma outra versão do espetáculo com o queridíssimo Homero Cavalcanti atuando como o protagonista da peça.

Se você está achando a vida chata e acredita que umas boas risadas vão aliviar ao menos um pouco esse sentimento, então venha prestigiar nossa programação. Tem espetáculos para todos os públicos e será uma alegria contar contigo na realização dessa Festa!

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Centros Periféricos



Ano passado o Festal aconteceu na praça Sinimbu no centro da cidade de Maceió, a praça Sinimbu é palco constante na cidade de movimentações, é tradicionalmente nos dias de hoje associada à escola de artes ou às ocupações que por vezes ela abriga. O que saltou aos olhos no Festal foi que uma área por assim dizer insegura e deserta tornou-se viva novamente pela via do encontro.

A praça foi ocupada das mais variadas formas possíveis, desde o debate político, ao comércio e a apresentação artística. Os moradores do centro, que está sendo cada vez mais abandonado devido à criminosa especulação imobiliária, puderam ver tão próximo o coração da cidade bater. O centro já quase mortificado respirou mais uma vez e com isso levantou uma ideia. O centro já não é mais o centro, como devemos chamar um centro abandonado? Talvez periferia? Mas periferia não é o que não é centro? O Festal provocou uma reestruturação do passo comum da cidade!

Se olhávamos para o centro como o local de comércio, do deserto noturno, devido a transformações de grande parte dos imóveis residenciais em comerciais, o Festal fez suas feições sorrirem um pouco mais postergando seu último suspiro. O centro, há algum tempo, deixou de ser residência e tornou-se capital, escoando seus espaços para terrenos baldios e muros, quantos muros! Mas a Escola Técnica de Artes ainda fica no centro, o Teatro Deodoro ainda fica no centro, o SESC, a Catedral, o Museu de Arte sacra, o Instituto Histórico, a Casa da Palavra, a Academia Alagoana de Letras, o Memorial da República, a Pinacoteca Universitária, o Cenart, a Casa Jorge de Lima, o Museu Theo Brandão, o Museu de Arte Sacra, o Mercado do Artesanato, o Mercado da Produção, a Catedral Metropolitana, a praça dos Martírios, a praça Zumbi dos Palmares, a praça Deodoro, a Assembleia Legislativa de Alagoas, a Câmara dos Vereadores de Maceió, o Tribunal do Trabalho, o Tribunal Eleitoral e a praça Sinimbu!

Parece que estão escoando nossos olhos do centro e com isso se vão todos os aparatos construídos para que o centro de uma cidade seja o centro de uma cidade. Talvez descentralizar uma cidade seja preciso, mas a que preço? Descentralizar seria desmontar? Escoar o que se tem no centro? O suor vertido nos prédios do centro é importante para uma cidade, talvez desejemos não desmontar o centro, mas tornar o território da cidade interligado em uma rede sem centro, talvez apenas criar formas de ligação entre o centro e as tão faladas invisíveis periferias.

Mas invisíveis para quem? Para as visíveis periferias, que sobre os escombros de suas vizinhas tentam brilhar, risíveis periferias. Será que será construído o novo teatro da capital no novo centro? Onde será? Na Ponta verde? No Farol? Ou será que no Aldebaran? Ou será que transformaremos o Vale do Reginaldo no novo bairro da moda? Mas este último é chamado de periferia. Não entendam mal, Farol, Ponta Verde, Aldebaran são todos periféricos, afinal não são o centro ou melhor não se localizam geograficamente onde foi chamado de centro. Mas no caso de outros bairros como o Vergel, o Benedito Bentes, o Bom Parto, a Garça Torta, o Poço, o Vale do Reginaldo, o Feitosa, o Jacintinho e tantos outros que são chamados de periferia, ou quebradas, as alquebradas quebradas. Mas as vezes transformam-se as invisíveis periferias nas visíveis, geralmente fazem isto expulsando de suas casas seus chorosos habitantes, como fizera o atual prefeito com a Vila dos Pescadores no Jaraguá, trocando-os por risíveis novos proprietários. O problema é esse quem, quem é invisível? Para quem? O fato é que não é invisível! É muito visível. E não se torna visível, muros não são feitos para dar visibilidade.

O Festal gostou de ver o “Centro 'periférico' de Maceió” pulsar, gostando da ideia, gostaríamos de ver outros centros pulsarem. Centros, porque são o centro da vida de tanta gente, afinal o local onde estamos é de onde nos alimentamos e respiramos. Não temos a pretensão de dar visibilidade a ninguém, pois não acreditamos que sejam invisíveis, queremos conversar, saber mais sobre estes centros, como pulsam, e talvez, se estes também estiverem ameaçados como o “Centro de Maceió”, emprestarmos um pouco de nossas energias para que deem uma respirada. É por isso que o Festal vai se descentralizar por Maceió, mas não se enganem, não é nossa pretensão desmontar o que já foi criado, a ideia é alastrar a festa.

Este ano o Festal acontecerá nas comunidades do Sururu do Capote (dentro do Vergel do Lago), do Bom Parto, da Cidade Sorriso (dentro do Benedito Bentes), da Garça Torta e, mais uma vez, do Centro, e é com muito carinho e curiosidade que nós, nossos parceiros, patrocinadores e apoiadores desejamos esta conexão alegre.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Histórias, por que contá-las?

Narrar uma história é diferente de contá-la, quando se narra uma história se tem o poder sobre ela, quando se conta, se tem cumplicidade com ela. A história nos leva, nos eleva ou nos desvela. Contar uma história ou ouvir uma história, o que muitas vezes não é diferente, é dar corpo a uma experiência que carrega as raízes do que somos. Com toda a certeza antes de toda a parafernália do teatro, da literatura e do cinema o que se fez de mais concreto no princípio foi contar histórias. Nas histórias sobrevivem povos que apontam por seus contos para nossas raízes mais íntimas e distantes. Diferente daquela de letra grande, a História, nessa se narra como os povos pereceram sob os pés do triunfo dos tiranos.

O contador ou a contadora de histórias, em sua origem meio mítica, se fazia perceber por sua experiência. Carregava consigo a ótica de sua vida e das particularidades de sua comunidade ou do que averiguava dos locais que fora, assim contava ou pela profundidade ou pela vastidão da experiência e lhe imprimia a assinatura de sua voz. Em tempos difíceis parece que estas figuras misteriosas, conhecedoras das mais variadas peripécias desaparecem ou emudecem, ou até, pelo excesso de som e fúria dos plurifrequentes in-presentes influenciadores de uma época, não são devidamente notados.

Cena do espetáculo "Filhos do Céu e o Coração de Tambor, do Coletivo Heteaçã.
Foto: Adriano Monteiro

O nosso país, o nosso continente, teve a sua história entrelaçada firmemente com outros dois, nenhum dos dois por opção. Os impérios que da Europa saíram escravizando, saqueando, estuprando, invadindo e assassinando a todos os continentes do mundo, inclusive no próprio, nomeou suas posses: América, África, Ásia, Oceania, Antártica, assim como a muitos de seus países que nem tinham essas delimitações, o próximo passo é fronteira final, o império tem fome. Hoje ainda, o Brasil, por exemplo, tem nome de produto de exportação, literalmente usado para exaltar a nobreza estrangeira. Os povos indígenas da África foram sequestrados e alienados de sua terra natal, forçados a trabalhar num lugar que não conheciam. Os povos indígenas da América viram a paisagem de sua terra ser destruída e banhada com o sangue de seus ancestrais, sendo também forçados a trabalhar neste banho de sangue. Essa História foi narrada por séculos com toda a pompa de conquista do ilustre peito branco. As culturas destes três continentes foram as que principalmente cimentaram a cultura que permeia o imaginário do nosso povo, mas por vezes a cultura do império tenta apagar, engolir ou vilipendiar as histórias vindas de América ou de África, ou mesmo as que venham de uma Europa diferente da cara que o império quer ter.

Desde a primeira edição do Festal, trazemos este ato de resistência e existência, a contação de histórias, seja pela prática que recebe este nome em uma apresentação, seja com o teatro, seja com a dança ou com este blog, ou os posts no instagram. Um fio conduzindo memórias para se eletrizar e reavivar os nossos puídos, mas pulsantes corações.
Cena do espetáculo Histórias do lar... de lá, de Toni Edson. Foto: Jany Santos

Nesta edição traremos Toni Edson que apresentará o espetáculo “Histórias do lar... de lá”, na Cidade Sorriso, no dia 21/9 e o grupo Heteaçã, com “Os filhos do Céu e os Corações de Tambor”, na Garça Torta, no dia 28/9. Ambas as apresentações trarão histórias da ancestralidade africana se utilizando de referências culturais específicas como mitos ou a experiência de visitas. Utilizando-se da construção narrativa e performática dos contadores, o Festal, traz este movimento de resistência da cultura que a História dos tiranos tenta enterrar sob seus monumentos à barbárie.