segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O Festal sob as lentes das câmeras

A importância de se produzir o registro visual de uma ação como o Festal é inquestionável. Estamos fazendo história e ter o cuidado de capturar todos os momentos possíveis dessa aventura é um ponto que não pode ser negligenciado.

Nesse processo de construção dessa rede, buscar aproximação com profissionais sensíveis e, a priori, mais interessados em alavancar essa ideia do que assumir uma postura individualista e restrita à prestação de serviço, é sempre a melhor opção.

Com base nesse modo de operar, é possível afirmar que ao longo dessas últimas duas edições tivemos a alegria de andar em ótimas companhias quando o assunto é fotografia.

A Xanda Souza e o Nyrium são dois nomes muito especiais que tem nos acompanhado desde 2016 e contribuído sobremaneira não somente nesse processo de captura dos momentos de produção, mas também se colocado como verdadeiros colaboradores desse acontecimento que é o Festal.
Nyrium em ação no Festal 2017. Foto: Nivaldo Vasconcelos.

Tivemos uma rápida conversa com esses dois fotógrafos profissionais, para saber como eles enxergam o Festal e esse processo de fotografar espetáculos cênicos. Além disso, eles também deixaram algumas dicas para os grupos que tem alguma dificuldade para produzir o registro de seus próprios trabalhos.

Para Xanda, "O Festal não é apenas um evento de apresentações artísticas, é a união de pessoas que estão envolvidas em algo que infelizmente não vemos ser valorizada, a Arte".
O clique exato do Nyrium no espetáculo "A Granja dos Corações Amargurados", da Cia Claricena.

Sobre esse assunto, o Nyrium reconhece a validade do Festal enquanto uma ação importante para a classe, especialmente porque é uma iniciativa única realizada por aqui, no sentido de engajamento dos artistas e da produção. Mas ele também percebe algumas fragilidades a serem encaradas de maneira mais eficiente, sendo a comunicação um exemplo citado por ele.

Ainda assim, tanto a Xanda quanto o Nyrium afirmam que o Festal foi e tem sido um espaço de muito aprendizado para eles. Xanda encontrou no Festal uma ótima oportunidade de unir sua paixão pelo teatro com o amor pela fotografia. Como ela nos diz: "Com esse trabalho de registro de espetáculos, consegui ter mais conhecimento em relação ao trabalho de todos, tanto da produção quanto dos que estão em cena, então acabei tendo mais envolvimento e com isso mais aprendizado".
O Nyrium por sua vez, destaca seu aprendizado no processo de observação, o que o ajudou na agilidade com a câmera e com o foco, já que diante da dinamicidade da cena a iluminação pode mudar "num piscar de olhos".

O registro de espetáculos cênicos não é uma tarefa fácil. É preciso ficar atento para não desperdiçar os momentos. Nesse sentido, Xanda costuma reconhecer o espaço antes de começar o trabalho e também entender a ideia do diretor para saber o que é importante ser captado.
O olhar de Xanda Souza sobre o espetáculo "Dança Anfíbia", da Cia dos Pés.

Já o Nyrium chama a atenção para a relação com o público a fim de evitar chamar mais atenção do que a cena. Além disso, ele menciona a importância de se ter paciência para se esperar menos do ambiente e valorizar mais o próprio processo de registrar.

E para os grupos que por ventura não tem condições de contratar os serviços de um profissional para fotografar seus espetáculos e se sentem inseguros de assumir essa função, nossos queridos colegas explicam que hoje já é possível fazer um bom registro de um espetáculo usando celular ou alguma câmera mais simples. E sugerem que se tenham cuidado com a iluminação para evitar a produção de fotos nem muito claras nem muito escuras. Testar é sempre um bom caminho para isso.

Nyrium também sugere que se possível seja feito o registro de vários ângulos para não ficar restrito à visão frontal. E a Xanda chama atenção ainda para o fato de que é preciso ter em mente a clareza sobre a finalidade do registro e qual a ideia do trabalho, para que as imagens fiquem a contento.

Xanda Souza na frente das câmeras. Foto de arquivo pessoal.


E assim, seguimos contentes com a companhia desses dois profissionais que tem garantido um olhar sensível e atento sobre esse momento da história da produção cênica alagoana.

É importante mencionar que além da Xanda e do Nyrium, nosso grupo de fotógrafos também conta com alguns voluntários e interessados em investigar esse campo. São eles o Jadir Pereira, o André Cavalcanti e o Nivaldo Vasconcelos. Somos gratos pelo trabalho de todos esses amigos e parceiros que contribuem para a construção de múltiplas perspectivas sobre o que temos realizado com a Rede de Artes Cênicas de Alagoas.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Entrevista: Cia Teatro da Meia-Noite

O ator e diretor Julien Costa, da Cia Teatro da Meia-Noite, falou um pouco sobre o processo criativo do espetáculo "Por Um Triz", estreado ano passado e que comporá a programação do Festal esse ano. A peça traz uma discussão que sempre permeou o campo das artes, mas que nesse contexto de crise encontra-se ainda mais acentuada: como seguir criando artisticamente num cenário tão adverso, desprovido de políticas públicas?
Nesse sentido, Julien reconhece no Festal, um caminho possível para transformar esse contexto em favor da produção artística e cultural de Alagoas.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.


FESTAL
: Quais as principais motivações e situações que permeiam a gênese da criação do espetáculo que seu grupo apresentou no Festal?

JULIEN: POR UM TRIZ é resultante de uma Oficina de montagem promovida pela Cia Teatro da Meia-noite de fevereiro a outubro de 2017, A CRISE financeira, emocional e existencial que assolou o país nos último quatro anos, principalmente no segmento cultural; a desistência de artistas continuarem  a acreditarem em seu ofício; o fechamento de espaços cênicos e teatros  alternativos mantidos por grupos, coletivos e artistas no PAÍS, foi o ponto de partida para desenvolver um texto sobre o tema em questão, e assim nasce a história de Maria JOSÉ, A “MAZÉ” - uma atriz, navegante solitária, que viaja ao seu “interior” e inquietações para refletir sobre seu ofício e que sentido seguir.
Cena do espetáculo "Por um Triz", da Cia Teatro da Meia-Noite. Foto: Jadir Pereira

FESTAL: No que se refere à relação direção x elenco, como vocês costumam caracterizar o processo criativo desse espetáculo? Como essas funções foram compreendidas e exercidas durante esse processo?

JULIEN: O primeiro passo foi desenvolver a Dramaturgia, cuja a missão ficou a cargo de Julien Costa, que também ficou responsável por conceber a estética da encenação e na direção do Espetáculo; a cada cena escrita, o texto era enviado por e-mail para a Atriz Kátia Rúbia, que por morar em Arapiraca, durante a semana revisava, refletia, suprimia, acrescentava e reenviava de volta para Julien e assim foi durante todo o processo de construção do texto até chegarmos a 8º versão e definitiva do texto. Só a partir da conclusão do texto, começaram os ensaios, após definido a dramaturgia e a estética das encenação, ficou a cargo de Izácio Francisco, desenvolver a trilha original para o espetáculo, e assim nasceu POR UM TRIZ, a seis mãos; todo processo levou nove meses até a estreia.


FESTAL: Todo processo criativo é também um processo seletivo de ideias, materiais, escolhas. No caso desse espetáculo, como se deu ou tem se dado, esse processo de edição? Se possível cite exemplos específicos.

JULIEN: Em todo processo criativo, existe o campo do ideal e do possível de realizar, as ideias se modificam e vão se ajustando de acordo com a viabilidade, tanto pela questão técnica/produção, quanto pelo nível de execução. Exemplos claros do processo foi a substituição da guitarra elétrica (ideia inicial para a sonorização do espetáculo) pelo violão e pela sonoridade acústica sem a utilização de caixas de som. Também mudamos o lugar da plateia e a quantidade de espectadores (que na ideia inicial era apresentar o espetáculo para apenas 40 espectadores, que sentariam num círculo de 40 baldes de tinta que seriam os bancos da plateia); além de cada espectador ter uma lanterna de cabeça e o público ser o “iluminador” do espetáculo, e por questões de infraestrutura, logística e acessibilidade, foram substituídas por 24 lanternas no chão que simbolicamente representam as 24 horas que completam o ciclo de um dia, e o músico passa ser o iluminador/farol da atriz durante  a apresentação.


FESTAL: Fazendo um exercício de abstração e distanciamento afetivo em relação ao trabalho, que aspectos do espetáculo (técnicos, dramatúrgicos, de produção) o grupo identifica como elementos potentes e limitações?

JULIEN: Acreditamos que a finalidade da Cia Teatro da Meia-noite com a  oficina de montagem cumpriu exatamente o seu papel, e ficamos bem satisfeitos com a resultante, dentro das perspectivas e objetivos que traçamos como meta para o processo. Criamos um espetáculo que busca homenagear todos os profissionais das artes cênicas que resistem em continuar no ofício apesar da escassez de políticas públicas e tantas outras tantas FALTAS que limitam, freiam e até cessam tantos profissionais. POR UM TRIZ, o nosso novo espetáculo, nasce da resultante de uma Oficina, fruto da reunião e da vontade de três pessoas que ficaram até o fim do processo que durou uma gestação (09 meses), com a  vontade de fazer ACONTECER, com o desejo de REALIZAR, surge com  a mesma ESSENCIA de como nasceu o FESTAL. A cada apresentação, o espetáculo ganha força e se revigora, se renova e se modifica justamente por nos propormos explorar espaços não convencionais e nos permitirmos experimentar, e OUVIR O PÚBLICO depois de cada apresentação, até para termos a clareza de como isso reverbera em quem nos assiste, e se alcançamos as pessoas de alguma forma… Claro  que  gostaríamos  de termos tido mais ensaios/encontros presenciais, que em vez de 4 horas por encontro, que tivéssemos no mínimo oito horas por dia, e que os intervalos (oito dias) de um ensaio para o outro fossem menores que  a distância de Maceió a Arapiraca, que  a vida corrida dos envolvidos no processo, o emprego e outros compromissos não fossem os principais impeditivos para não podermos nos encontrar mais vezes... Que o Intervalo de uma apresentação para outra não fossem tão longos, pois todo espetáculo precisa de ritmo e dinamismo, e isso é possível quando há uma sequência de apresentações.
Cena do espetáculo "Por um Triz", da Cia Teatro da Meia-Noite. Foto: Nyrium

FESTAL: O grupo reconhece algum sentido de continuidade e conexão entre esse processo criativo e os anteriores ou nesse caso específico se trata de uma tentativa de se desviar da maneira como o grupo tem criado? Que aspectos se apresentam como novidade no processo criativo desse espetáculo em relação aos que o antecederam?

JULIEN: Além de uma prática de colaboração e coletividade e desenvolvimento de ideias através de oficinas e exercícios, atividades comuns e cotidianas nos processos da Cia, podemos identificar como processo contínuo de Pesquisa da Cia e de conexão com nosso repertório, a inserção de literatura, de  textos literários se METAMORFOSEANDO em textos dramatúrgicos, outra prática da Cia encontrada em seus espetáculos anteriores: “Cinco Para o Cadafalso”, “Paixão Do Riso”, “Fragmentos de Vidas Secas”, “Insônia”, “Marina – uma história de Cordel”, todos esses com textos e autores da literatura, sendo experimentados como dramaturgia.


FESTAL: E para encerrar, uma pergunta sobre o Festal. Como você ou seu grupo percebe(m) o papel de movimento das artes cênicas para o cenário da produção cultural local?

JULIEN: Acreditamos que a colaboração e a coletividade é o caminho para o desenvolvimento, o crescimento e o fortalecimento de qualquer segmento, a organização e articulação entre os pares é o que torna possível algumas conquistas. O FESTAL precisa ser compreendido e abraçado por TOD@S, não como um evento anual; o Festival de Artes Cênicas de Alagoas precisa ser visto  como  a culminância de uma REDE DE ARTES CÊNICAS DE ALAGOAS, formada por grupos, coletivos e artistas solos que juntos discutem, difundem, e contribuem para a construção políticas públicas afirmativas que garantam respeito, dignidade e sustentabilidade a toda cadeia produtiva do segmento, e que essa luta é diária e contínua e que independente de nossas diferenças ideológicas ou de linguagens não podem sobrepor um bem maior: OS AVANÇOS E CONQUITAS PARA AS ARTES CÊNICAS DE ALAGOAS. É preciso ver com clareza que isso só será possível com a união e participação e COMPROMETIMENTO de TODOS nesse PROCESSO. Temos muito ainda para aprender, mas é bom ver que chegamos até aqui, na quarta edição, e que o compromisso e a responsabilidade só aumenta, mas o bom disso tudo é saber que o FESTAL É NOSSO!

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Trançando os fios da memória com Fernando Arthur

Ator Fernando Arthur, da Cia Penedense de Teatro, concedendo uma entrevista para a exposição Fio da Memória.
 
A exposição Fio da Memória se pretende um espaço de conexão com diferentes afetos em relação às artes cênicas produzidas em Alagoas. Para isso, estamos reunindo diferentes materiais que representam o pensamento, a estética, a crítica e as trocas dos mais variados artistas e grupos que teceram e ainda tecem a trama da nossa história.

Nesse sentido, estamos produzindo uma série de vídeos com artistas e público em geral, onde serão relatadas suas memórias mais vívidas sobre o que viram, fizeram e tem feito ao longo das últimas décadas em termos de artes cênicas no estado.

Um dos relatos é do querido Fernando Arthur, ator da Cia Penedense de Teatro. Suas memórias percorrem diferentes artistas, grupos e instituições que contribuíram e ainda contribuem com o desenvolvimento do teatro em Alagoas.

Arthur menciona a importância de ir ao teatro quando ainda era criança, para sua entrada nesse universo. Ele se recorda das peças infantis da Cia Cena Livre, grupo com mais de 20 anos de atuação.

Também fala do impacto ao assistir o espetáculo "A Farinhada", da Associação Teatral Joana Gajuru. E como essa experiência possibilitou seu contato com outros artistas, como René Guerra e Flávio Rabelo, que mais adiante lhes dirigiriam na Cia Penedense.

Isso, só para começo de conversa. Arthur relata muito mais. E se você ficou curioso sobre o que ele tem a dizer, não deixe de se programar, pois em outubro essas e muitas outas histórias serão exibidas na exposição Fio da Memória.

Festal 2018, a festa das Artes Cênicas de Alagoas!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Entrevista: Coletivo Volante de Teatro



Ano passado o Coletivo Volante de Teatro se apresentou no Festal, em outubro, com o seu espetáculo Incelença. Fomos atrás do grupo para saber mais a respeito de seus processos:


FESTAL: Quais as principais motivações e situações que permeiam a gênese da criação do espetáculo que seu grupo apresentou no Festal?

Volante: No final do Festal 2016, estávamos juntos e durante o Sarau de finalização Magnum Francisco falava da morte da última testemunha do desaparecimento de seu primo Davi da Silva após uma abordagem policial aqui em Maceió, em seguida Rogério Dyas assumiu o microfone e recitou um cordel chamado “Mercado da Morte”. Aquele instante foi bastante impactante para nosso encontro. Nos dias seguintes os jornais anunciavam os dados do Mapa da Violência no Brasil e Alagoas aparecia mais uma vez entre os estados mais violentos, principalmente para jovens negros e periféricos. Naquele ano a cada 13 pessoas assassinadas, 12 eram negras e periféricas. O impacto dessa informação impulsionou que nos juntássemos.

Um mês depois do encerramento do Festal, estávamos juntos em sala de ensaio, trazendo informações que nos afetavam, experiências pessoais, familiares ou de desconhecidos. Os dados do Mapa da Violência, as crescentes comprovações no nosso dia a dia desse genocídio da juventude negra e periférica nos fez trazer esse tema à tona na nossa encenação.

A força de dona Maria José, mãe de Davi da Silva, em enfrentar e ir a imprensa e a justiça cobrar esclarecimentos pelo desaparecimento de seu filho fez com que voltássemos o nosso olhar ao longo do processo para as mães, as mães que lutam, que sofrem e que guardam firmes a memória de seus filhos.

Atravessados por esses dados, sua contínua crescente e repetição, posicionando o estado entre os primeiros no Mapa da Violência, mergulhamos nesse contexto para dar voz às histórias de mães que perderam os seus filhos e filhas. Nossos corpos são instrumentos de propagação dessas histórias que percorrem espaços de abandono e esquecimento.

O canto das Incelenças, tradição nordestina de cantos fúnebres, conduz uma jornada em busca pela memória de vidas negras que são cotidianamente silenciadas.





Festal: No que se refere à relação direção x elenco, como vocês costumam caracterizar o processo criativo desse espetáculo? Como essas funções foram compreendidas e exercidas durante esse processo?


Volante: Nosso processo é colaborativo.


Fomos encontrando a nossa forma colaborativa de trabalhar, visto que cada grupo vai entendendo como essa forma de trabalhar se adequa a sua construção.

Quando decidimos por construir “Incelença” fomos convidando pessoas que gostaríamos de trabalhar e que já nos aproximávamos de alguma forma de suas construções. Foi aí que entrou para colaborar no coletivo Nathaly Pereira e Wanderlândia Melo (Clowns de Quinta), Gessyca Geyza (Coletivo Hetéaçã), Jonathan e Jefferson (do coco de roda) e Thiago Amorim (estudante de Ciências Sociais).

A proposta inicial era que cada pessoa que ali estava trouxesse a sua experiência para dentro da construção, então, em uma semana nós trabalhávamos uma técnica de Bufão vindo de atrizes/palhaças (Nathaly e Wanderlândia), na outra a técnica da mimese corpórea por Gessyca Geyza, o coco de roda vindo da experiência de Jonathan e Jeferson, estudos sobre a violência em Alagoas com o Thiago, por exemplo. Essas experiências se misturavam, não sabíamos aonde isso nos levaria. Sabíamos que queríamos falar sobre violência. Isso nos ligava naquele instante. Inicialmente tínhamos um texto, mas ao nos encontrarmos ele foi sendo abandonado e transformado em uma experiência nova.

Em um determinado momento do processo percebemos que não chegaríamos naquele texto de dezembro de 2016 e que precisaríamos de uma direção.

É aí que o coletivo decide pela direção de Gessyca Geyza e ela assume a tarefa de orquestrar todas essas informações que trazíamos toda semana. Gessyca vai provocando, encontrando caminhos, organizando toda aquela informação para chegar no lugar que chegamos na estreia. Em paralelo um novo texto é construído através da experiência de cada ator e atriz. Bruno Alves assume a função de tecer esse texto que surgia dentro da sala de ensaio e que era moldado a partir da atuação e da direção de Gessyca Geyza.

A descoberta do espaço foi de fundamental importância. Em dezembro de 2016 achávamos que seria um espetáculo com estética de rua, mas o processo nos fez perceber que a nossa história pedia um outro espaço. Quando entendemos que o Porão do Teatro Deodoro era o nosso lugar de encenação muita coisa foi se encontrando e se fortalecendo. Muitas cenas surgiram dentro desse espaço. Ele foi de fundamental de importância e um impulsionador para que pudéssemos estrear.

Outras dramaturgias como a de luz e de figurino foram sendo incorporadas de uma forma bastante coletiva e desde a concepção e confecção as atrizes e os atores estavam envolvidos. As funções foram se mostrando ao longo do caminho, inclusive texto, espaço e sonorização.

Esse processo de direção de Gessyca é um processo continuo, pois a cada espaço que vamos precisamos entender como se comunicar com esse espaço. Muitas cenas que temos hoje, quase um ano depois, tem surgido nos espaços em que vamos apresentando.

O olhar do público tem sido de grande importância. Muitas cenas vão sendo afetadas pelas respostas do público e vamos sendo alimentados por esses encontros.


Festal: Todo processo criativo é também um processo seletivo de ideias, materiais, escolhas. No caso desse espetáculo, como se deu, ou tem se dado, esse processo de “edição”? Se possível, cite exemplos específicos.

Volante: Nós tínhamos os dados do Mapa da Violência. Tínhamos uma referência regional como o canto das incelenças, tão comum no nosso imaginário ou mesmo em alguns de nós vindos do interior que costumávamos a acompanhar esses cantos nos velórios. Tínhamos histórias como as de dona Maria José, mãe de Davi da Silva. Tínhamos experiências particulares de percas e experiências estéticas diversas que iam do coco de roda, cinema, mimese a palhaçaria. Não queríamos deixar nada de fora. Queríamos que cada atriz e ator soubesse de sua importância para essa construção.

O primeiro entendimento se deu quando entendemos já depois de alguns meses que não iriamos chegar ao texto proposto inicialmente em dezembro de 2016. A partir daquele dia “zeramos o jogo” na busca desse texto que queria ser dito por todes.

Decidir pela direção de Gessyca Geyza foi um momento muito importante. Gessyca com seu olhar e sensibilidade conseguia tecer uma encenação que ia criando essas edições e fortalecendo a dramaturgia. O olhar de Gessyca ao assistir aquilo que se construía foi capaz de organizar esse mundo de informações que trazíamos.

Entendemos que não queríamos ir para a rua. Que a história que nascia pedia para ser feita em lugares abandonados ou com uma estrutura precária. O espaço foi um divisor de águas. Entrar no Porão nos fez construir as cenas que a peça pedia. Gessyca Geyza propunha jogos, imagens e ações que nos faziam descobrir naquele espaço a nossa dramaturgia.

Outro momento de entendimento foi quanto a dramaturgia da luz, do som e do figurino. Pensamos muitas vezes em convidar pessoas que pudessem nos ajudar, não que isso não seja importante, mas no decorrer do processo entendemos que tudo isso deveria também vir de cada pessoa que ali estava.


Festal: O grupo reconhece algum sentido de continuidade e conexão entre esse processo criativo e os anteriores ou nesse caso específico se trata de uma tentativa de se desviar da maneira como o grupo tem criado? Que aspectos se apresentam como novidade no processo criativo desse espetáculo em relação aos que o antecederam.

Volante: Acreditamos que no fim das contas tudo é uma continuidade, um aperfeiçoamento e que cada novo passo dado só é possível por sementes que foram plantadas lá atrás.

Nesse nosso segundo espetáculo existem rompimentos, mas também existem coisas que vão se continuando.

No primeiro espetáculo, “Volante”, partimos para uma estética armorial ou barroca, é uma tentativa de diálogo que percorre um universo lúdico, construído através de memórias e experiências estéticas trazidas ao longo da vida. “Volante” surge pela necessidade de contar, de encontrar pessoas e de circular por diversos espaços. Diferente de “Incelença” usa de símbolos e metáforas para sublinhar momentos da vida do ator/dramaturgo. Faz uso de maquiagem, por exemplo, coisa que em “Incelença” entendemos que não caberia.

Em “Incelença” a experiência de construção coletiva rompe muito desses lugares. Agora tudo é dito de forma direta, os símbolos são fundidos pela própria ação. Experiências estéticas diversas se encontram. É impossível sair do mesmo jeito quando o encontro acontece. Deixamo-nos afetar pelo que o outro tem a dizer e a mostrar. Ouvimos. Propomos. Trocamos.

Das duas experiências podemos dizer que permanecem a busca por espaços alternativos, a busca por conceber e confeccionar dramaturgias, o retorno a memória como lugar de criação e fortalecimento do presente, o processo colaborativo, a necessidade da atriz e do ator colaborador/construtor e um teatro popular.

Festal: E para encerrar, uma pergunta sobre o Festal. Como você ou seu grupo percebe(m) o papel de movimento das artes cênicas para o cenário da produção cultural local?

Volante: As Artes Cênicas, a arte no geral, está para fortalecer a nossa existência no espaço em que vivemos. Vivemos em uma cidade que nos afeta diariamente, seja da maneira positiva ou negativa. Responder a cidade, pertencer a ela e questioná-la é um dos papeis da arte, principalmente em tempos de precarização da arte, da falta de políticas públicas eficazes e continuas, da falta de espaço (ou melhor, do não uso de muitos espaços que vivem fechados na cidade).

As Artes Cênicas colaboram com a nossa vida nesse lugar. Nos faz pensar quem somos dentro dele e o que podemos fazer para torna-lo melhor.


terça-feira, 14 de agosto de 2018

Festal 2018: o reencontro com os estudantes

Desde do ano passado, o Festal se propôs a articular sua programação voltando sua atenção a um público muito especial. Desejamos estabelecer uma troca muito particular com estudantes da Rede Pública de Ensino. Em 2017, contemplados com o Prêmio Algás Social, levamos uma série de oficias e espetáculos para diferentes escolas estaduais e municipais, possibilitando o encontro de artistas com crianças, jovens e adultos imersos no contexto escolar.

A proposta consistia em gerar experiências que favorecessem tanto a apreciação de espetáculos como também a oportunidade de descobrir habilidades técnicas ligadas às artes cênicas. Dança, teatro, performance, lambe-lambe, máscaras, teatro de bonecos, contação de histórias e mágica fizeram parte da programação do ano passado entre apresentações e oficinas.

Compreendemos que favorecer o contato de crianças e jovens com a arte é um modo possível de construir o hábito cultural de usufruir da produção artística local e ainda de apontar a arte como um campo profissional viável para esses indivíduos.

Ocupar as escolas da cidade com uma programação tão vasta foi um desafio, exigindo toda generosidade possível dos artistas envolvidos para se adaptarem a espaços vocacionados, a priori, para outro tipo de dinâmica. E temos orgulho de afirmar que valeu muito a pena. Nos sentimos muito bem recebidos e provocados com os retornos que obtivemos durante essa experiência.

E dessa forma, acreditamos que seria uma boa ideia continuar o investimento no encontro entre arte e estudantes da Educação Básica. E assim, mais uma vez agraciados com o Prêmio Algás Social, decidimos aproveitar a edição 2018 para receber aquelas crianças e jovens nos nossos espaços de apresentação. 

Nossa programação esse ano, portanto, contará com momentos especialmente pensados para esse público. Além de assistir aos espetáculos, os estudantes serão recebidos numa visita mediada à exposição "Fio da Memória". E os artistas serão os próprio mediadores. O encontro agora girará em torno das histórias e afetos que interligam artes cênicas e o público. Os estudantes terão a oportunidade de conhecer por um novo ângulo a produção artística local, entendendo seus processos criativos, suas escolhas estéticas e também a materialidade dos seus trabalhos.

Textos, adereços, figurinos, cenografias, trilhas sonoras, fotos e vídeos serão alguns dos objetos expostos para que o público acesse as artes cênicas produzidas em Alagoas e possa entender um pouco mais a trama de relações que sustenta e alimenta nossa história.

Queremos retribuir toda a receptividade com que aqueles jovens estudantes nos receberam em suas escolas e já estamos ansiosos por esse reencontro. E isso vale também para o público em geral. Certamente essa história ainda terá muito o que nos contar.

A programação do Festal 2018 ocorrerá no período de 10 a 24 de outubro e logo logo disponibilizaremos a grade completa. Fiquem ligados!

sábado, 11 de agosto de 2018

Ruínas e Possibilidades: Teatros de Maceió

Prédio na Rua Sá e Albuquerque, Jaraguá
Quando se caminha pela cidade de Maceió, principalmente nos bairros mais antigos, podem-se notar reminiscentes marcas da história da capital. Para olhos que se demoram mais em admirar as ruas da cidade ou que tentam perceber o que há por trás das ruínas desprezadas pelo poder público e por nós mesmos, em nossa apatia, belíssimos prédios despontam na paisagem revelando possíveis locais de comunhão, confraternização e convívio do passado da cidade. É certo que em locais os quais são visitados e onde o povo costuma ir por sua identidade, há vida e há a segurança de se estar em um local próprio, seu; por outro lado, quando se remove destes locais funções de interesse comunitário ou de convívio, a vida se corrói e apenas uma reminiscência do que já foi próprio para alguém resta no olho de um distante observador. A ruína causa certa angustia, porém pode dar às pessoas um vislumbre do que pode tornar a ser ou um anúncio de mudança para o futuro.

O teatro, que mesmo em sua etimologia pode se referir ao edifício de onde se assiste à cena, mudou com suas renovações, se tornou livre da caixa, livre do palco, livre do prédio. Porém isto não significa que o prédio, o teatro, tenha perdido sua função ou sua razão de ser: um local de convívio, confraternização e comunhão que transforma o passo corriqueiro do dia a dia, podendo torná-lo em uma maravilhosa e provocadora dança ou em um ato impetuoso e revolucionário.

Teatro Deodoro, em 1915

Em Maceió, temos um número pequeno de teatros e muitas vezes não necessariamente estão abertos a propiciar o acesso aos artistas da cidade onde foram erigidos. O mais antigo dos teatros hoje na cidade é o Teatro Deodoro, que teve sua construção finalizada sobre os vestígios do Teatro Seis de Setembro, este que jamais tivera sua construção concluída. Após trágicas mortes de construtores e lendas agourentas o teatro foi inaugurado no dia 15 de novembro de 1910 e desde então foi literalmente o palco de grande parte da cena maceioense e alagoana.

Theatro Polytheama, 1905
Entretanto, apesar de o Teatro Deodoro ser o teatro mais antigo ainda de pé na cidade, ele não foi o primeiro. Ainda houve o Theatro Polytheama, na rua do Imperador, na praça Sinimbu, inaugurado em 17 de Junho de 1905. O Polytheama funcionou a todo vapor e, por isso mesmo, fechou no ano seguinte devido excesso de despesas. Logo o terreno do Polytheama fora comprado e no ano seguinte reabriu também com sessões de cinematógrafo. O Polytheama, como o nome grego já diz: Poly (muitos) Theama (Espetáculos), consistia na diversidade de gênero de apresentações: teatro de revista e variedades.

Prédio do antigo Teatro Maceioense - Cinema Delícia
Antes ainda houve o Teatro Maceioense, localizado na rua do Sol, no centro da cidade, fundado junto com a Sociedade Dramática Particular Maceioense em 1846, o edifício chegou a receber, além de diversos trabalhos das Sociedades Dramáticas Particulares que haviam na época, grandes obras do Ballet português e ainda a visita do Imperador D. Pedro II. O Teatro Maceioense também sediou a instalação da Sociedade Libertadora, instituição que assumiu a luta contra a escravidão em Alagoas, na ocasião duas pessoas foram alforriadas no teatro. Após um longo período em que o teatro ficou fechado, ele reabriu exibindo sessões de cinematógrafo, sendo divulgado como Teatro Maceioense – Cinema Delícia. Com a inauguração do Teatro Deodoro e do Cinema Helvética, o Teatro Maceioense não suportou a concorrência e fechou suas portas.

Os teatros Polytheama e Maceioense infelizmente não existem mais, seus rastros já se apagaram no progresso do tempo, porém ainda existem prédios diversos em Maceió que podem ser revigorados, não só teatros, mas potentes espaços que podem se tornar em palcos de transformação. O Teatro de Bolso Lima Filho é um exemplo disso, na rua Pedro Monteiro, dentro do CENARTE, infelizmente hoje fechado, o Teatro Lima Filho foi palco importante para o teatro alagoano, cenário do Festival Estudantil de Maceió e outros espetáculos. Talvez seja a hora de nós, responsáveis por nossa cidade, olharmos para espaços com tais histórias e com tais possibilidades e exigirmos o seu retorno.

Prédio do CENARTE, onde se encontra o Teatro de Bolso Lima Filho
Existem hoje outras casas de espetáculos que são usadas no repertório artístico da cidade, a exemplo do Teatro SESC Jofre Soares, o Teatro do Espaço Cultural Arte Pajuçara, o Teatro de Arena Sérgio Cardoso, o Espaço Cultural Linda Mascharenhas, o Teatro Gustavo Guilherme Leite, porém a cidade cresceu e necessita da manutenção e da abertura maior de alguns desses espaços onde se faz ainda teatro em Maceió.

Fontes:

https://www.historiadealagoas.com.br/teatro-maceioense-e-o-cine-delicia-da-rua-do-sol.html

https://www.historiadealagoas.com.br/theatro-polytheama-a-primeira-grande-casa-de-espetaculos-de-maceio.html

https://www.historiadealagoas.com.br/a-maldicao-do-teatro-deodoro.html

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Acessibilidade: uma questão imprescindível

É fato que ainda é relativamente recente a atenção que o campo das artes e da produção cultural tem dado ao público de pessoas com deficiência. No entanto, o movimento nesse sentido já tem se revelado com certa criatividade e a devida responsabilidade

Para tratar dessa questão, conversamos rapidamente com a atriz, produtora, audiodescritora e intérprete de Libras Bárbara Lustoza, nossa parceira desde 2016, responsável por coordenar o processo de acessibilidade na programação do FESTAL.
Bárbara Lustoza, integrante da Rede e coordenadora da comissão de acessibilidade do Festal. Foto pessoal.

Atento a essa questão, o FESTAL tem buscado oferecer uma programação que contemple os mais variados públicos e o sistema de acessibilidade é um ponto do qual não abrimos mão, apesar das adversidades. Temos nos organizado de modo a receber, na medida do possível, pessoas com deficiência visual e auditiva, além de firmar parceria com espaços que apresentem as condições adequadas para pessoas com deficiência motora.
Em 2016, o espetáculo "A boca que muito fala", da Cia Artiservir foi um dos trabalhos que ofereceram o serviço de Libras. Foto: Nyrium.

De acordo com Bárbara, em comparação a nosso vizinho Pernambuco, Alagoas ainda tem muito o que caminhar. Mesmo que esse tipo de recurso já se constitua uma exigência como contrapartida social desde 2015 (oficialização da Lei Brasileira de Inclusão - LBI 13.146). Ela aponta que o público de pessoas com deficiência é geralmente melhor contemplado em eventos acadêmicos e públicos, o que não ocorre tanto quando se trata de iniciativas particulares dos grupos e artistas locais.

Entre as razões que Bárbara aponta para configurar esse cenário estão a crença de que esse público não teria interesse ou não se sente motivado a prestigiar boa parte das ações artístico culturais, além dos custos relativos à demanda (serviço de intérprete de Libras; equipamento e profissional de audiodescrição). Da nossa parte, acreditamos que a falta de fiscalização e de cobrança por parte da sociedade também alimenta essa situação.

O espetáculo "Remendó", da Cia Flor do Sertão contou com o recurso de Libras realizado pela intérprete Luana Silva. Foto: Xanda Souza

Em contrapartida, Bárbara compreende a Rede responsável pelo Festal como um espaço sensível a essa questão e que não se restringe somente na programação do festival, mas se estende na produção particular de alguns grupos. Ou seja, determinados coletivos e artistas que integram a Rede já tem pensado sua criação levando em conta aspectos que favorecem a acessibilidade. E justamente por isso, o Festal é de algum modo uma referência para o estado no que se refere a esse assunto.

Por fim, entre as restrições que carecem de um enfrentamento mais contundente, Bárbara identifica o processo de comunicação com as pessoas com deficiência. É importante que além de ofertarmos os recursos de acessibilidade, também consigamos chegar até esse público, atraí-lo para os ambientes de produção artística e cultural.
Bárbara Lustoza atuando na audiodescrição do espetáculo "Uma Tarde de Risos e Mágica", do artista Jesús Rojo, na edição de 2017. Foto: Nyrium.

Desse modo, percebemos que o caminho é longo e árduo. E há sempre mais por se fazer. Portanto, ainda não podemos nos dizer totalmente satisfeitos com nosso trabalho a respeito desse ponto, mas reafirmamos nosso compromisso com essa pauta e nos colocamos abertos para contribuições e novas parcerias atentas ao processo de inclusão desse público que não raras vezes é subestimado e negligenciado.

O Festal pretende se fazer uma festa para todos e todas e tem se construído pautado na responsabilidade de possibilitar o encontro das artes cênicas com os mais diversos públicos. Sigamos!!

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Bem vindos!!!

Ontem, estivemos reunidos com os grupos e artistas selecionados para a 4ª edição do FESTAL. Um encontro bastante produtivo, bem humorado e cheio de gás para dar conta de demandas imprescindíveis para a continuidade dessa aventura chamada Rede de Artes Cênicas de Alagoas.

Estamos felizes pela participação de todos. E com expectativas de que o Festal siga esse fluxo de colaboração e consolidação de uma classe artística mais coesa e organizada.

No encontro de ontem, apresentamos a programação com datas e horários dos espetáculos, discutimos questões de logística e operacionais a fim de envolvermos os selecionados no processo de maneira mais ampla.

Entramos numa nova etapa do projeto e a presença e participação dos selecionados é fundamental nesse momento.

Sejam muito bem vindos!

Evoé, Festal!!!!