terça-feira, 3 de setembro de 2019

Histórias, por que contá-las?

Narrar uma história é diferente de contá-la, quando se narra uma história se tem o poder sobre ela, quando se conta, se tem cumplicidade com ela. A história nos leva, nos eleva ou nos desvela. Contar uma história ou ouvir uma história, o que muitas vezes não é diferente, é dar corpo a uma experiência que carrega as raízes do que somos. Com toda a certeza antes de toda a parafernália do teatro, da literatura e do cinema o que se fez de mais concreto no princípio foi contar histórias. Nas histórias sobrevivem povos que apontam por seus contos para nossas raízes mais íntimas e distantes. Diferente daquela de letra grande, a História, nessa se narra como os povos pereceram sob os pés do triunfo dos tiranos.

O contador ou a contadora de histórias, em sua origem meio mítica, se fazia perceber por sua experiência. Carregava consigo a ótica de sua vida e das particularidades de sua comunidade ou do que averiguava dos locais que fora, assim contava ou pela profundidade ou pela vastidão da experiência e lhe imprimia a assinatura de sua voz. Em tempos difíceis parece que estas figuras misteriosas, conhecedoras das mais variadas peripécias desaparecem ou emudecem, ou até, pelo excesso de som e fúria dos plurifrequentes in-presentes influenciadores de uma época, não são devidamente notados.

Cena do espetáculo "Filhos do Céu e o Coração de Tambor, do Coletivo Heteaçã.
Foto: Adriano Monteiro

O nosso país, o nosso continente, teve a sua história entrelaçada firmemente com outros dois, nenhum dos dois por opção. Os impérios que da Europa saíram escravizando, saqueando, estuprando, invadindo e assassinando a todos os continentes do mundo, inclusive no próprio, nomeou suas posses: América, África, Ásia, Oceania, Antártica, assim como a muitos de seus países que nem tinham essas delimitações, o próximo passo é fronteira final, o império tem fome. Hoje ainda, o Brasil, por exemplo, tem nome de produto de exportação, literalmente usado para exaltar a nobreza estrangeira. Os povos indígenas da África foram sequestrados e alienados de sua terra natal, forçados a trabalhar num lugar que não conheciam. Os povos indígenas da América viram a paisagem de sua terra ser destruída e banhada com o sangue de seus ancestrais, sendo também forçados a trabalhar neste banho de sangue. Essa História foi narrada por séculos com toda a pompa de conquista do ilustre peito branco. As culturas destes três continentes foram as que principalmente cimentaram a cultura que permeia o imaginário do nosso povo, mas por vezes a cultura do império tenta apagar, engolir ou vilipendiar as histórias vindas de América ou de África, ou mesmo as que venham de uma Europa diferente da cara que o império quer ter.

Desde a primeira edição do Festal, trazemos este ato de resistência e existência, a contação de histórias, seja pela prática que recebe este nome em uma apresentação, seja com o teatro, seja com a dança ou com este blog, ou os posts no instagram. Um fio conduzindo memórias para se eletrizar e reavivar os nossos puídos, mas pulsantes corações.
Cena do espetáculo Histórias do lar... de lá, de Toni Edson. Foto: Jany Santos

Nesta edição traremos Toni Edson que apresentará o espetáculo “Histórias do lar... de lá”, na Cidade Sorriso, no dia 21/9 e o grupo Heteaçã, com “Os filhos do Céu e os Corações de Tambor”, na Garça Torta, no dia 28/9. Ambas as apresentações trarão histórias da ancestralidade africana se utilizando de referências culturais específicas como mitos ou a experiência de visitas. Utilizando-se da construção narrativa e performática dos contadores, o Festal, traz este movimento de resistência da cultura que a História dos tiranos tenta enterrar sob seus monumentos à barbárie.

Nenhum comentário:

Postar um comentário